Comunicado de Imprensa
Imprensa da CIDH
Washington, DC – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expresa séria preocupação com os artigos da lei que modificam a Agência Peruana de Cooperação Internacional (APCI) no Peru, especificamente quanto aos preceitos que, mediante a necessidade de uma autorização prévia para realizar projetos, poderia gerar obstáculos ao espaço cívico e à liberdade de associação, por meio da ampliação de novos requisitos administrativos que poderiam se revelar desproporcionais; razão pela qual exortam o Estado a rever e adequar a lei ao marco normativo interamericano.
Em 14 de abril de 2025, o Governo Nacional promulgou a Lei Nº 32301, que modifica a Lei da Agência Peruana de Cooperação Internacional (APCI), encarregada de supervisionar, controlar e fiscalizar a cooperação técnica internacional administrada pelo Estado. A nova normativa estabelece que essa agência tem a função de registrar os "projetos, programas ou atividades", que incluem seus objetivos, valores, fontes de financiamento e a execução do gasto com recursos de cooperação internacional; bem como a exigência da obtenção de aprovação prévia pela APCI para realizar atividades e operações.
Como essas normas impõem a mesma obrigação de registro às entidades que gerenciam a cooperação técnica internacional sem o envolvimento de órgãos estatais, essas exigências podem ser desproporcionais, constituir um obstáculo ao funcionamento das organizações defensoras de direitos humanos e afetar a liberdade de associação e expressão.
O Estado informou à Comissão que essa normativa é um mecanismo de coordenação técnica para assegurar que os projetos de cooperação internacional respondam às prioridades nacionais, que também busca aliviar a carga administrativa existente. Ao mesmo tempo, ressaltou que a aplicação das modificações da lei ainda depende de uma regulamentação, que tem um prazo de 90 dias para ser feita.
É de especial preocupação que o texto normativo estabeleça sanções pelo "uso indevido" de recursos e doações para "assessorar, assistir ou financiar" ações administrativas, judiciais ou de qualquer outra índole, tanto em nível nacional quanto internacional, contra o Estado peruano, ou seja, qualquer manifestação contra o Estado peruano poderia ser objeto de sanção, inclusive em demandas que possam consistir em defesa de direitos humanos. Segundo as organizações, isso pode ter um efeito direto na denúncia, na defesa legal e no direito de acesso à justiça das vítimas em casos contra o Estado peruano por violações de direitos humanos, tanto em âmbito nacional como perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em contraposição ao cumprimento das obrigações internacionais contraídas voluntariamente nos tratados de direitos humanos dos quais o Peru é parte.
Nesse contexto, a Comissão manifesta sua preocupação com as informações recebidas de organizações da sociedade civil, incluindo de povos indígenas, defensoras de mulheres e pessoas LGBTI, bem como de representantes de vítimas e familiares de graves violações de direitos humanos, em face do impacto que a implementação dessa nova lei teria sobre suas atividades de defesa de direitos humanos, incluindo a possibilidade de perder seu registro legal.
O Estado enfatizou que a norma não busca impedir a defesa legítima de direitos nem o acesso à justiça, mas sim assegurar que os fundos de cooperação internacional sejam utilizados para as finalidades previstas, que deveriam focar no fortalecimento institucional do sistema de justiça e não no financiamento direto de litígios contra o Estado através de ONGs. Ressaltou que a norma não restringe ações legais que não utilizem os recursos referidos. Além disso, a lei contém sanções severas, entre as quais o cancelamento do registro das organizações, que segundo as informações recebidas pela CIDH, poderiam afetar sua sustentabilidade financeira, incluindo meios de comunicação, que dependem em grande medida da cooperação internacional. Por sua vez, o Estado afirmou que o cancelamentodo do registro unicamente restringe o acesso a fundos de cooperação e somente procede diante da reincidência de faltas muito graves.
A CIDH alerta para as declarações do Executivo durante a promulgação da lei, afirmando que seu objetivo é "colocar em xeque" as organizações que atuam contra os interesses do país, "semeando ódio e atacando" o sistema. A Comissão lembra que esse tipo de declaração propicia um clima de hostilidade que dificulta o exercício legítimo da liberdade de associação e da defesa de direitos humanos. O livre e pleno gozo da liberdade de associação impõe aos Estados o dever de criar condições legais e fáticas para que as pessoas defensoras, meios de comunicação e jornalistas possam exercer o seu trabalho, o que inclui a definição da sua estrutura interna, atividades e programas. A CIDH observou que, embora a obrigação de garantir o direito de associação não impeça que se regulamente o registro, é preciso que no monitoramrnto e no controle de organizações dentro das suas jurisdições, conforme o direito de se associar, se assegure que os requisitos legais não impeçam, dificultem ou limitem a criação ou funcionamento das organizações. Também devem promover e facilitar seu acesso a fundos de cooperação e se abster de restringir seus meios de financiamento.
As leis que regulam o registro de organizações não devem conceder às autoridades faculdades discricionárias nem empregar uma linguagem ambígua que limite indevidamente o direito de associação. Ademais, os requerimentos de informações não devem exceder os limites de confidencialidade necessários para a sua atividade livre e independente. Nesse sentido, deve haver instâncias de consulta e participação no governo dos órgãos de fiscalização dessas entidades.
O Estado reafirmou seu compromisso com a proteção e promoção dos direitos humanos, incluindo o respeito à liberdade de associação, expressão e acesso à justiça. Enfatizou que não pretende estigmatizar ou perseguir as organizações não governamentais, mas sim reforçar as ações de transparência e a prestação de contas no uso de recursos provenientes da cooperação internacional. A Comissão reitera o papel da liberdade de associação como uma ferramenta fundamental para que as pessoas defensoras possam exercer de maneira plena e cabal o trabalho de defesa dos direitos humanos, fundamental para o fortalecimento e a consolidação das democracias, pois por meio dela exercem o necessário controle público sobre os funcionários públicos e as instituições democráticas.
Essa mudança legislativa se soma a uma série de ações promovidas pelo Congresso que poderiam significar sérios retrocessos na proteção dos direitos humanos no Peru. A CIDH faz um chamado ao Estado peruano para revogar os artigos da reforma aprovada que sejam contrários a parâmetros interamericanos sobre as liberdades de expressão e de associação, bem como sobre o acesso à justiça.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 098/25
9:00 AM