A CIDH e especialistas das Nações Unidas: os Estados devem proteger os direitos daqueles que estão em mobilidade humana

18 de setembro de 2025

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Washington, DC – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), os titulares de mandatos de procedimentos especiais* e as pessoas especialistas que integram a Plataforma de Pessoas Especialistas Independentes sobre os Direitos das Pessoas Refugiadas (PIERR)**, abaixo firmadas, expressam preocupação pela recente adoção de certos acordos bilaterais entre países com o objetivo de deportar, expulsar e/ou transferir pessoas em contexto de mobilidade humana a outros países que não são de origem ou de residência habitual; e que podem ser contrários às obrigações internacionais inderrogáveis em matéria de direitos humanos.

De acordo com as informações disponíveis, o conteúdo desses acordos bilaterais permite a um dos Estados signatários deter e expulsar pessoas migrantes sob sua jurisdição e removê-las para o território de outro Estado signatário; e autorizam a transferência de pessoas solicitantes de asilo a terceiros países para que suas solicitações sejam processadas ali e não no país no qual se encontravam antes da sua transferência. Tais medidas podem restringir o direito à liberdade que, conforme os parâmetros de direitos humanos, deve ser limitado somente como último recurso; e podem implicar em condições de detenção que não cumprem com as normas internacionais, incluindo, em alguns casos, tratamentos ou penas cruéis, inumanas ou degradantes. O direito à vida familiar e os direitos das crianças e adolescentes também podem ser afetados negativamente.

A CIDH e as pessoas especialistas notam com preocupação que esse tipo de acordo contempla procedimentos predominantemente obrigatórios, que se caracterizam por um alto grau de discricionariedade estatal, diante do qual as pessoas afetadas tem uma mínima margem de resposta, quando não nula, para exercer os seus direitos, inclusive quanto ao acesso aos tribunais para a revisão de tais procedimentos e das suas solicitações de asilo, ou para poder organizar sua própria saída quando não tiverem direito a permanecer. Ainda que se reconheça a soberania para firmar convênios internacionais, bem como a sua autoridade para estabelecer políticas migratórias e determinar quem pode ingressar, transitar, sair e permanecer em seu território, ao mesmo tempo, se recorda que todas as políticas, leis e práticas sobre migração devem ser aplicadas com pleno respeito ao direito internacional, incluído o princípio inderrogável da não discriminação; e devem garantir os direitos humanos das pessoas em mobilidade humana, que são direitos e liberdades derivados da dignidade humana e que a protegem. Neste ponto, se recorda que as preocupações sobre segurança nacional ou terrorismo não podem justificar a violação dos direitos humanos.

Nesse sentido, tanto a CIDH como a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmaram que os acordos bilaterais firmados pelos Estados, inclusive em assuntos comerciais, devem observar as obrigações emanadas do direito internacional dos direitos humanos convencional e consuetudinário, que garantem os direitos em favor das pessoas e não dependem inteiramente da reciprocidade dos Estados. Desse modo, os Estados devem se abster de assinar acordos que comprometam as suas obrigações nessa matéria.

Portanto, quando as deportações, expulsões e/ou transferências se dão no âmbito de um acordo bilateral, tanto os Estados que deportam, expulsam e/ou transferem pessoas em contextos de mobilidade humana como aqueles que as recebem, mantém obrigações que se originam de tratados internacionais e interamericanos aos quais aderiram. Assim, ambos os Estados signatários mantém a sua responsabilidade quanto ao princípio de não devolução, em conformidade com o artigo 22.8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o artigo 3 da Convenção Internacional contra a Tortura e o artigo 7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, entre outros. Isso é particularmente relevante em casos nos quais há informações suficientes para concluir razoavelmente que a deportação, expulsão e/ou transferência colocaria a pessoa em risco direto ou indireto de devolução em cadeia; ou de cometimento de violações aos seus direitos à vida, liberdade ou integridade, pois seriam submetidas à tortura, tratamentos ou penas cruéis, inumanas ou degradantes, ou desaparecimento forçado, ou detenção arbitrária; e ante à flagrante denegação de justiça.

Igualmente, ambos os Estados signatários dos acordos bilaterais devem proteger e garantir os direitos humanos, e especialmente observar o direito ao devido processo, o direito das pessoas a não serem presas arbitrariamente e a terem condições de detenção humanas e dignas, uma vez que as pessoas se encontram sob sua jurisdição e controle.

Como regra geral, os acordos devem contemplar procedimentos que sejam feitos mediante o uso de mecanismos que assegurem uma análise individual da situação de cada pessoa, e respeitar a proibição absoluta  de retornos forçados de população ou de expulsões coletivas a outros países. A ausência de um exame razoável e objetivo do caso individual de cada pessoa significa que a deportação e/ou expulsão coletiva é inteiramente arbitrária e deve ser proibida.

A CIDH, os procedimentos especiais das Nações Unidas e as pessoas especialistas que integram a PIERR lembram em acréscimo que os Estados devem assegurar o devido processo legal nos procedimentos de deportação, expulsão e/ou transferência a toda pessoa, independentemente da sua condição migratória. Para tanto devem se certificar que suas legislações internas sejam providas de recursos simples e efetivos que lhes permita defender adequadamente seus direitos diante de qualquer tipo de ato do Estado que possa lhes afetar, incluído o acesso à representação legal, a notificação de razões individuais e a divulgação de provas, a revisão independente das decisões, o direito de revisão judicial e o direito a recursos efetivos.

Finalmente, os mecanismos internacionais e regionais de proteção abaixo firmados enfatizam que todas as práticas estatais devem se adequar aos compromissos assumidos em tratados, leis e normas internacionais e interamericanas de direitos humanos. Nenhum acordo bilateral sobre deportação, expulsão e/ou transferência de pessoas exime os Estados de cumprir com tais obrigações nem justifica práticas incompatíveis com tais deveres. A mera existência de normas internas ou a ratificação de acordos específicos não garante uma proteção efetiva, especialmente quando se tem documentado práticas que são a eles contrárias.

Nesse sentido, fazem um chamamento a todos os Estados da região para que garantam políticas migratórias com um enfoque de direitos humanos, em especial quando relativas ao cumprimento de obrigações inderrogáveis, assegurando a não discriminação, a proibição da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, inumanas ou degradantes, o direito a não ser preso arbitrariamente, o respeito ao devido processo, à obrigação de não devolução e o direito à dignidade humana, em consistência com os princípios e valores democráticos consagrados nos instrumentos interamericanos e internacionais de proteção de direitos humanos.

** Siobhán Mullally, presidenta da PIERR e Relatora Especial da ONU sobre o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças; Gehad Madi, Relator Especial da ONU sobre os direitos humanos dos migrantes; Matthew Gillett (Vice-presidente de comunicações) Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU; Jorge Contesse, membro do Comitê contra a Tortura; Selma Sassi-Safer, comissionada e Relatora Especial sobre refugiados, solicitantes de asilo, deslocados internos e migrantes na África da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos; Andrea Pochak, comissionada e Relatora de Mobilidade Humana da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

SOBRE A PIERR

A PIERR é composta atualmente pelos mandatos dos Relatores Especiais das Nações Unidas sobre os direitos humanos dos migrantes e sobre o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças; o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária; o Comitê contra a Tortura da ONU; a Relatoria Especial sobre refugiados, solicitantes de asilo, deslocados internos e migrantes na África da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos; a Relatoria sobre Mobilidade Humana da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura.

A Plataforma conta com o respaldo do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e da Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR).

Para mais informações sobre a PIERR, consulte www.pierr.org

*Procedimentos especiais das Nações Unidas:

  • Ben Saul, Relator Especial sobre a promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais na luta contra o terrorismo;
  • Margaret Satterthwaite, Relatora Especial sobre a independência de magistrados e advogados.

Os Relatores Especiais/Especialistas Independentes/Grupos de Trabalho são especialistas independentes em direitos humanos nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Em conjunto, esses especialistas são conhecidos como os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; não são pessoal da ONU e não recebem salário pelo seu trabalho. Embora o Escritório de Direitos Humanos da ONU atue como secretaria dos Procedimentos Especiais, os especialistas atuam a título individual e são independentes de qualquer governo ou organização, incluídos o Escritório do Alto Comissário para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a ONU. As opiniões e pontos de vista apresentados são exclusivamente do autor e não representam necessariamente os da ONU nem os do ACNUDH.

As observações e recomendações específicas para cada país dos mecanismos de direitos humanos da ONU, incluídos os procedimentos especiais, os órgãos criados em virtude de tratados e o Exame Periódico Universal, podem ser consultados no Índice Universal de Direitos Humanos: https://uhri.ohchr.org/en/

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.

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