Comunicado de Imprensa
Imprensa da CIDH
Washington, DC—A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica o relatório sobre “Violência contra povos indígenas e afrodescendentes da Costa Caribenha na Nicarágua”, no qual é analisada a situação de violência enfrentada por esses povos e seu impacto sobre os direitos humanos. A partir de um enfoque integral desde a década de 1980, a CIDH documenta uma série de atos de violência, desapropriação territorial e assimilação cultural que integram um processo de discriminação e exclusão histórica contra povos indígenas e afrodescendentes, que se agravaram sob o regime de Daniel Ortega.
A violência na Costa Caribenha não é um fenômeno isolado e responde a uma série de ações e omissões estatais que favoreceram a desapropriação e a exploração dos territórios e dos recursos naturais indígenas e afrodescendentes, em benefício do regime e de indústrias privadas. A corrupção generalizada, a imposição de governos paralelos e o desmantelamento do regime autônomo, desenvolvidos no relatório, facilitaram a invasão e a ocupação forçada dessas terras. Além disso, a militarização da região, a permissividade das forças de segurança – sob o mando do regime Ortega-Murillo – frente à violência, bem como sua participação na repressão das comunidades, confirmam um padrão de aquiescência estatal.
A ausência de um processo efetivo de saneamento e titulação é outro fator histórico que permitiu a expansão de atores armados e a ocupação violenta de territórios indígenas. Desde a suspensão desse processo em 2014, a CIDH documentou um incremento alarmante na magnitude e intensidade da violência nessa região, que entre 2020 e 2024, resultou em ao menos três ataques armados de grande escala, identificados pelas próprias comunidades como massacres.
A CIDH identifica uma série de padrões de violência contra esses povos, entre os quais se destacam: ataques armados perpetrados por colonos e grupos do crime organizado que ocorrem com a tolerância e aquiescência estatal; assassinatos, e a criminalização de autoridades tradicionais, lideranças comunitárias e pessoas defensoras do território; ameaças, assédios e a extorsão de comunidades; bem como atos de tortura e violência sexual. Tais atos de violência ocorrem sob uma impunidade estrutural e em um contexto de concentração absoluta de poder no Executivo.
A crueldade e a intensidade da violência resultaram na concessão de medidas de proteção, por parte da CIDH e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a mais de 15 comunidades vítimas de agressões violentas, a pessoas defensoras de direitos indígenas, a guardas florestais privados arbitrariamente da liberdade, bem como em favor de pessoas que são lideranças e trabalhadoras de meios de comunicação que estariam em risco. A concessão de tais medidas, que não foram atendidas pelo Estado, reflete a gravidade, a urgência e a persistência dos ataques.
A CIDH observa que a crise de direitos humanos evidenciada a partir de 18 de abril de 2018, e a instauração de um regime de concentração absoluta de poder, aprofundaram a extrema vulnerabilidade dos povos indígenas e afrodescendentes. Em especial, a aprovação das reformas à Constituição em 2024, que eliminaram os contrapesos democráticos e ameaçam o regime autônomo, representam a consolidação de uma série de retrocessos com respeito às reivindicações históricas que foram alcançadas décadas atrás em favor dos seus direitos.
A CIDH conclui que a existência física e cultural dos povos indígenas e afrodescendentes está em risco. A violência exercida pelos colonos armados resultaram na desapropriação e deslocamento das suas terras ancestrais e territórios, o que ameaça sua sobrevivência cultural e coletiva. Esses territórios não somente constituem seu espaço de vida, mas também são a base essencial para o desenvolvimento dos seus conhecimentos, formas de vida, tradições e espiritualidade, assim como para a continuidade da sua cosmovisão. Nesse sentido, a desapropriação territorial e o deslocamento forçado violam o direito à identidade cultural e à propriedade coletiva desses povos.
No relatório, a Comissão reafirma que os povos indígenas e afrodescendentes representam a diversidade cultural da Nicarágua. Sua proteção frente a processos de colonização, extermíno cultural ou assimilação forçada constitui uma obrigação jurídica vinculante derivada de tratados e declarações internacionais dos quais a Nicarágua é Estado parte. Entre eles, a Convenção 169 da OIT, a Declaração Americana e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
O Estado da Nicarágua deve garantir o direito desses povos de viver livremente em seus territórios, conforme suas próprias cosmovisões, formas de organização e cultura, como condição indispensável para sua sobrevivência como sujeitos coletivos de direito. Deve também permitir o retorno aos seus territórios tradicionais em segurança e com dignidade, o que, no caso dos deslocamentos forçados provocados por contextos de violência, inclui o dever de tomar medidas para combater a impunidade dos responsáveis por tal violência.
Finalmente, com base nas conclusões do relatório, a CIDH realiza uma série de recomendações voltadas ao Estado. Faz também um chamado à comunidade internacional para contribuir para o fim da repressão na Nicarágua. Em especial, as instituições financeiras internacionais para que, antes da concessão de crédito e de outros mecanismos de financiamento para o desenvolvimento, requeiram a adoção de medidas para o restabelecimento do Estado de direito. Do mesmo modo, exorta os Estados de origem das empresas pecuárias, de monocultura, madeireiras e mineradoras a adotar medidas para a supervisão e regulação das atividades das suas companhias nacionais no exterior, em conformidade com os parâmetros internacionais na matéria.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 220/25
11:00 AM